sábado, 1 de junho de 2013

Jai Paul - Jai Paul (Demos) (2013)

Gêneros: outsider/weird/future pop, apropriação cultural cool, mistério
Similares: M.I.A., Grimes, internet, tumblr, gifs



Jai Paul é uma das maiores incógnitas do pop atual e não apenas por sua música. Num tempo que o pop muda numa velocidade incrível (e junto com ele a nossa noção de pop), o produtor e compositor parece não se importar com nada além de seu universo. Ele colocou no mundo "BTSTU" em 2011, "Jasmine" e "Flip Out" (vazada, não lançada oficialmente) em 2012; e é isso, é tudo que ele tinha até o momento. Ele trabalha ao seu tempo, não dá entrevistas, mostra muito pouco o próprio rosto. Numa situação normal, a onda de hype já teria se desfeito e ele estaria provavelmente esquecido - quando decidisse lançar um disco, possivelmente receberia em várias críticas o argumento de que não teve timing e por isso sua música perdeu o contexto (algúem lembra do Joker e seu disco de 2011 que deveria ter sido lançado em 2009?). 

Esse não é o caso de Jai Paul. O que ele mostrou ao mundo é tão irreverente e provocador que mesmo que ele lance apenas uma faixa por ano, irão continuar na expectativa, ansiando por serem mais uma vez bombardeados pelo pop alienígena e sem contexto que ele criou. É importante falar do mistério e do que rodeia o artista porque seu "primeiro disco" existe por isso. Alguns meses atrás no Bandcamp surgiu o aguardado debut do rapaz e a internet, como era de se esperar, cumpriu sua função transformando o acontecido no assunto mais importante do planeta. Na mesma semana foi revelado pelo próprio artista e por sua gravadora (XL) que o álbum não era o debut, mas uma coleção de demos do artista que foi colocada na internet pelo sujeito que havia roubado seu notebook alguns dias antes. Não temos como saber a verdade. Talvez a história contada seja real, talvez o vazamento tenha vindo do próprio Jai Paul, talvez esse disco seja realmente seu debut, talvez não. 

É difícil dizer se as demos são realmente demos quando as duas músicas oficiais do artista tem um aspecto não-finalizado - uma espécie de lo-fi cheio de cortes, com muitas pontas soltas e sensação de subtração. Como no debut do James Blake, trata-se de música que se apoia na ausência e instiga pela sensação de não entregar um clímax exato, tudo na música pode ser o clímax assim como ele pode propositalmente não existir em lugar algum. Esse paralelo pode ser traçado pela sensação, mas Jai está longe de sequer soar como o James Blake. O que ele faz é música pop não-poética, pop mesmo, aquele que toca no rádio, só que em uma versão tão distorcida que torna-se estranha em qualquer contexto.

Existem motivos claros que tornam a música de Jai Paul um alien: primeiro uma apropriação cultural cool que provavelmente só a M.I.A. conseguiu colocar em prática até então, segundo uma falta de contexto e referências, por último a produção por ele moldada, que é o principal de seu trabalho, o que realmente o torna marcante e incopiável.

Paul samplea um bocado, em alguns momentos chegando a níveis The-Avalancheísticos, e uma de suas principais fontes são efeitos sonoros de filmes e trilhas de bollywood - é uma apropriação cultural cool, moderna e que não tem justificativa (assim como Paul aparecer vestido de indiano-hip em algumas fotos), mas cabe no som de Paul assim como cabe no som da M.I.A. (no caso dessa, justificado por seu histórico e motivação). Os dois, no entanto, transformam essa apropriação (justificada ou não) em pop global imersivo, indo muito além do aparente cool e derrubando aqueles que ainda julgam tal tipo de apropriação de sons numa era em que tudo é possível por todos terem acesso a tudo (não há mais cultura genuína, praticamente).

A falta de contexto de Paul se dá por sua falta de referências diretas e pelo excesso de referências indiretas. A única imagem de divulgação que ele tem (usada como capa pro "suposto disco") é uma representação visual do seu som (ou seria o contrário?): colagens mal recortadas de elementos completamente destoantes e ele no centro. Tem algo de funk nas basslines e guitarras que permeiam suas faixas, algo de "bass music" dos graves e sons distorcidos, algo de hip-hop nas batidas, algo de R&B na maneira que ele canta e constrói algumas faixas ("Jasmine" é a jam de R&B mais cheia de tensão que eu já escutei). No entanto, não dá pra catalogar o que ele faz em nenhum desses gêneros; isso não é funk, nem hip-hop, nem "bass", nem R&B (favor não associar com "hipster R&B" ou qualquer definição idiota). Ele recorta os gêneros de maneira desleixada e os reorganiza numa colagem tão bagunçada que o resultado final perde qualquer contexto, algo que o coloca lado a lado com a Grimes e o conceito de música que soa como o tumblr.

O que poderia ser negativo nas mãos de outros (essa falta de contexto absurda), é transformado em ponto de força nas mãos de Jai. É aí que entramos em sua produção, no modelo irreverente que ele criou para reorganizar suas referências. Como já dito, aqui existe um trabalho com pontas não aparadas, não bastando o ar rústico da produção, os efeitos vão e voltam dando a sensação de que nunca se fecham, a música nunca chega numa conclusão e é exatamente isso que torna esse pop tão intenso, urgente e catártico - confirmando isso, as demos curtas do disco (quase interludes) soam tão vitais e cheias de idéias quanto as músicas mais elaboradas.

Das mais dançantes ("Str8 Outta Mumbai" e seu início extasiante) até as mais calorosas e melancólicas ("Zion Wolf" logo em seguida), o que cola a obra de Paul é um tato incomum para organizar sons. Por nenhum motivo aparente, ele simplesmente sabe onde por uma batida, onde adicionar um efeito de distorção digital, onde enfiar um sampler inusitado (efeitos de golpes numa luta marcial em "Merman") ou um solo de guitarra (veja o final de "Crush") - da mesma maneira, ele sabe como quebrar o ritmo, como subtrair batidas, como surpreender dentro de cada faixa. Tudo isso se apresenta de forma tão imponente quanto a voz de Jai e as melodias por ela criada, entoando versos que carregam a crueza do pop direto sem disperdiçar um segundo, uma espécie de simplicidade romântica cheia de timing - tudo que é possível de ser escutado no meio dos barulhos tem o mesmo impacto do "don't fuck with me" que nos deixou de queixo no chão na primeira vez que escutamos o artista a dois anos atrás.

Tenho refletido recentemente sobre como a internet foi influente para tornar a década de 2000 uma das eras mais auto-referentes da música. O pop sempre foi obcecado por seu passado (lembram de Retromania?), mas nessa década em especial esse fenômeno foi exaltado. Quase tudo do pop dos últimos 13 anos funciona num modus operandi nostálgico ou através de um clash de referências vulgar (e não necessariamente ruim por isso); que digam todas as bandas que fizeram sucesso por unirem gênero x com gênero y como se isso bastasse para alcançar alguma excelência. A internet me parece influente nesse contexto porque foi ela que permitiu o acesso às diversas culturas, tornando fácil o referenciar ou a colagem inusitada.

Passado o deslumbre inicial da sociedade com a internet, parece que nossa cultura finalmente está apta a caminhar para o futuro, fazer o que Paul faz aqui. Três anos dentro de uma nova década e temos o primeiro grande sinal de como estamos começando a deixar de ser tão referentes. Eu sei, talvez esse não seja um sinal e nem um sintoma, apenas um caso isolado; no entanto, sou otimista e prefiro acreditar na possibilidade. Só o passar do tempo responderá.

No meio de "Giorgio By Moroder" no novo disco do Daft Punk, o homenageado pela faixa conta a sua história e fala algo interessante: ele sentava em frente a um sintetizador, não pensava em muitas referências (uma coisa ou outra do passado só para saber por onde começar) e se dedicava a fazer o som do futuro. É o que eu sinto acontecer nesse disco; Jai Paul é como Moroder, o cara que senta em frente ao notebook e pensa em criar o pop do futuro, a trabalhar com idéias, não referências. 

Não devemos nos importar se esse disco trata-se de uma coleção de demos ou não, muito menos avaliá-lo com base no que virá pela frente (como será quando Paul lançar seu verdadeiro debut?). Essa obra, por ela mesma, é uma das mais genuínas, criativas, vitais e capazes de despertar curiosidade que já ouvi. Esse é o som de 2013 e uma perspectiva de futuro, ninguém está fazendo o que Jai faz, ninguém nunca fez algo parecido também (acho). Agora é possível entender melhor o que ele queria dizer com "don't fuck with me".

9.2 [RECOMENDADO]

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