segunda-feira, 17 de junho de 2013

Kanye West - Blood On The Leaves (Faixa)





Danilo Bortoli [9]
Eu nunca sei realmente como tratar uma canção de Kanye West. Talvez isto possa explicar o meu fascínio por ele. Ele caminha muito como um anti-herói americano de que nós precisamos: no limite entre a megalomania de se achar o melhor (quando você obviamente não é, pelo menos há cinco anos) e a tristeza de lidar com as suas incapacidades. A diferença é que em Yeezus está ciente desses problemas. Numa analogia: se em My Beautiful Dark Twisted Fantasy ele se jogou da janela, em Yeezus ele age como se nada tivesse acontecido. Mas o choque de realidade e terapia de choque de um casamento estão lá. "Blood On The Leaves", que sampleia "Strange Fruit" de Billie Holiday de forma magistral, segue a mesma regra da vida de Kanye West: é dividida em metades. A primeira poderia ter sido tirada de um 808s, por exemplo, com as lamentações em seu devido lugar. Mas o Kanye da segunda parte só poderia surgir agora. Há a tal da apologia ao aborto que vem circulando ontem e hoje (não cliquei em um dos links porque era do Perez Hilton. Coincidência?) e algumas rimas sobre Beyoncé e Jay-Z. Tudo isto já daria uma boa página de diário, mas Kanye West nunca esteve tão paranoico. As atituides são injustificáveis como sempre, mas ninguém está aqui num tribunal. Por isso Kanye West é tudo de que nós precisamos agora: mesmo sendo tão irracional e agressivo em seus atos, mesmo sendo tão anti-humano, ele faz com que nós consigamos encontrar um senso maior de libertação.

Felipe Reis [9]
Usar um sampler de Nina Simone cantando "Strange Fruit" da Billie Holiday, um momento raivoso (mesmo com sua aparente classe) e arrepiante da história da música, certamente é um sinal de insanidade. O nosso anti-herói, no entanto, não para por aí - com batidas de trap, vocais auto-tunados referenciando os tempos de 808s, sintetizadores épicos sincopados (é uma produção do TNGHT, afinal), uma citação que já foi usada pelo Kendrick Lamar e versos cheios de mágoa sobre sua relação com mulheres interesseiras e sua visão sobre um casamento iminente, Kanye não desaponta nossas expectativas: ele continua megalomaníaco, estúpido, arrogante, raivoso, insatisfeito, exagerado, mimado e sem nenhum senso de realidade. Exatamente por esses motivos ele é o único sujeito no pop capaz de fazer uma faixa tão desorientante e bela como essa continuar acessível e imersiva. Fazer da auto-destruição de um riquinho descontrolado um espetáculo é algo em que ele é especialista, versos como "all that cocaine on the table you can't snort that" servem de confirmação. Não podemos culpá-lo por se achar um deus, músicas como essa me fazem crer que ele é realmente um.

Pedro Primo [9]
Ao ouvir os primeiros segundos de "Strange Fruit" (cantada na voz de Nina Simone), de uma coisa tenho certeza sobre "Blood on the Leaves": Kanye está com raiva. E ele vai buscar o tom melancólico e romântico de 808s Heartbreak e a produção violenta do TNGHT para incendiar uma canção de protesto particular. Kanye acaba de ter um filho na era do espetáculo, inserido num mundo de celebridades e pessoas que se envolvem com celebridades, ele parece ter certeza dos perigos que o futuro lhe guardam. "Antes que eles chamem os advogados, antes deles tentarem nos destruir" canta no melhor verso. Se em My Beautiful Dark Twisted Fantasy, o excêntrico rapper soava indefeso e assustando com tantos alvos a sua frente, aqui Kanye vai atrás do passado assustador (808s e "Strange Fruit", claro), engole o presente ("Nós poderíamos ter sido alguém") e fuzila o futuro: "que a morte nos separe". Uma porrada.

Ramon R. Duarte [5.5]
Eu sinceramente não sei mais o que esperar do Kanye West – e isso por um lado é bom, muito bom! West mostra-se cada vez mais improvável, surpreendente, realmente não sei o que pode brotar dessa mente insana regida - apesar de alguns descuidos – por um dos artistas mais inventivos e profanos da atualidade. Kanye não pretende dominar o mundo da música, pois isso ele já fez há muito tempo em sua concepção existencial narcisista e pomposa - e eu disponho meus sinceros cortejos, afinal, a sua presunção consegue ser estranhamente persuasiva a cada novo álbum lançado, a cada nova colaboração que ganha status maiores pela sua simples presença. A vaidade de Kanye seduz pela incitação, poucos sabem provocar tão bem quanto ele provoca sem que em algum momento estimule a nossa apatia, mesmo que vez ou outra West dê os seus pequenos tropeços negativos no egotismo anti-heroico que construiu como autorretrato – My Beautiful Dark Twisted Fantasy para o bem, Graduation e 808s para o mal. Kanye parece ter beijado tantas e tantas vezes o próprio rosto no reflexo do rio que se tornou um ser que vive à parte do seu mundo, de suas vontades, que se esquece inocentemente de tomar o mínimo cuidado de notar se a água do rio é ao menos asseada, Kanye apenas o faz em impulso ao reflexo, esse sim é perfeito. Atira-se, obstinado, em atitude esnobe e arrogante que já é algo característico de sua práxis – de toda maneira, outra atitude de se admirar, eu diria. Por que não? Mas Kanye não é Midas, ele não pode angariar todos os gêneros, ritmos, personalidades, ícones e transformá-los no ouro mais valioso e reluzente, não pode moldá-los de acordo com as suas vontades e mimos. West simplesmente pega a elegância e sutileza de Nina Simone e a transforma grotescamente em uma versão burlesca distorcida de um semi-Alvin e os Esquilos. A fúria, o protesto de Nina Simone (e Billie Holliday) estava em seu discurso tênue, pois Kanye o desconstrói no maior dos sacrilégios, resume “Strange Fruit” a uma quase anedota. Às vezes tudo parece funcionar basicamente como atributo-base sofisticado de suas injúrias, de suas ofensas já manjadas sobre tudo e todos. Transforma um protesto global em algo confidencial – dessa vez Beyoncé e Jay-Z também entram na sua briga particular, mas como coadjuvantes. Desajeitada como uma faixa perdida e mais sombria da demasia estilística de 808s, “Blood on the Leaves” mostra o Kanye arquiteto de sempre – aqui com o auxílio do duo TNGHT -, com boas ideias e referências, mas que esporadicamente peca quando encontra o seu campo empírico e assume o trabalho braçal. Kanye não pode mais se dar a prepotência de novamente deflorar os nossos ouvidos com excessos e mais excessos de auto-tune, tudo sem o ínfimo cuidado e discernimento autocrítico. Não, Kanye West, você não é um deus.


8.1 [RECOMENDADO]

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