segunda-feira, 15 de julho de 2013

Anitta - Anitta (2013)


Gênero: Pop
Similares: Wanessa, Naldo, Bonde das Maravilhas em um photoset de .gifs no Tumblr


Para mim, um dos temas mais fascinantes na cultura é a divisão entre o que acontece no mainstream e o que está paralelo a ele — mais especificamente, a não existência desta divisão em alguns momentos e lugares, dependendo de que ângulo estamos falando de um determinado assunto. Junte tudo isto com a internet e você agora possui milhões de vozes dissertando na blogosfera sobre o que é pop e o que não é.

Nestas discussões, que ocorrem geralmente no porão da internet (falo de fóruns, ou conjunto de fóruns, que já foram populares no fim da década de noventa e o começo da década passada, como o 4chan ou o mais popista ilXor.com), há a menção de um sea level em que todas as opiniões na internet podem se encontrar e todos os nichos se anulam. A questão, porém, é que um sea level não existe e nunca poderia existir. O pop, que aparentemente iniciou todas as discussões sobre música na internet e mesmo fora dela (olá, 1860), se é que ele ainda é pop, atingiu um nível de nichificação que hoje é irreversível. Isto não acontece porque as pessoas que falam de pop quiseram, de repente, complicar tudo. Isto aconteceu como um instrumento de defesa dos popistas, que buscaram na especialização do crítico de pop uma saída para a crescente cena de uma internet que esnobava tudo e todos. Assim, nós arriscamos perder a curiosidade. E o pop também.

Isto se acelerou com a internet e a blogosfera, que deu uma voz midiática a cada ser com um computador, mas tardou a entregar os meios de propagação, que só vieram quando o corporativismo investiu no potencial dos blogs. Aí nós temos duas posturas a blogosfera quando o assunto é música, particularmente na blogosfera brasileira. Como disse Ellen Willis ainda na década de setenta, o maior problema da crítica musical não é sobre o popismo vs rockismo, ou o indie vs mainstream, mas a perseguição (boba) pelo novo, a inquietação, contra o comodismo e um certo moralismo. De um lado, por aqui, uma centena de blogs entoando a mesma voz, com a url contendo o termo “indie” de forma não irônica, contra blogs escritos por sound designers que tentam rascunhar sobre “arte” (que, para eles, só significa um disco do Sun Araw), sendo sufocados por sites com um SEO melhor e com um curso rápido acerca de “geração de contéudo na web”. É uma dicotomia que nem todo mundo quer estudar.

O que eu pergunto é: onde fica Anitta numa situação destas? Digo, criticamente. Há dois caminhos bastante fáceis a seguir aqui: o do popista, a pessoa que mantém um blog sobre cultura pop e idolatra os singles e a teatralidade do que vem acontecendo à cultura pop brasileira desde Gaby Amarantos com Treme, e a pessoa que segue a ótica mais próxima ao elitismo seguindo, no mínimo, duas rotas: a do indiecentrismo rockista, ou o sound designer. As opções são previsíveis neste caso. Eu quero ficar no meio, não só porque é a opção mais saudável quando eu enxergo o popismo, mas porque estes dois lados a que eu fui apresentado são extremistas quando levados a sério. E para falar do disco autointitulado da Anitta eu quero realizar o mesmo.

É importante destacar que a introdução acima se aplica à Anitta porque ela é o nosso exemplo mais recente disto. Ela conseguiu cruzar a linha entre o funk, um estilo que, até hoje, é marginalizado, entre o mainstream com uma facilidade que lhe custou o “MC” e algumas influências, mas a catarse ainda está aqui. Ela fez o crossover e agora tem um dos maiores hits do ano, “Show das Poderosas”, que até a data da publicação deste texto está em primeiro lugar nas paradas há três semanas. E contando. “Show das Poderosas” não é, em sentido algum, uma revolução na forma de produzir pop por aqui, mas deixa claro que a ida do funk às rádios veio para ficar — pelo menos nos próximos seis meses se as relações públicas de Anitta fizerem tudo certo. De qualquer forma, soa como um milagre de produção, mesmo que tenha o que me parece ser uma forma de apropriação cultural cool.

Anitta, o álbum, tem o objetivo dolorosamente óbvio de continuar com os hits além de fazer o que todo autointitulado tem de fazer: firmar uma identidade, mesmo que de forma precipitada. E o álbum parece, neste objetivo, apressado. Seja por um motivo como o da Warner querer que Anitta dê certo como um experimento acerca do que ainda é possível levar do funk às rádios, seja pelo álbum ser gigantesco na duração (mas não na temática). Você também pode perceber, logo nas primeiras escutadas, que o universo da Anitta de agora foi criado, muito provavelmente, nos últimos minutos.

Mesmo que como um álbum, uma entidade que, na visão rockista, precisa ter começo, meio e fim, o autointitulado seja uma bagunça, as canções funcionam muito bem sem esse contexto. Há os singles e os sérios candidatos a singles que ganham ressonância quando colocados na duração do LP. Além de “Show das Poderosas”, um hino que, ao contrário do que alguns andam dizendo, tem sim mais apelo que um viral no YouTube, há “Meiga e Abusada” e “Tá Na Mira”, que já estiveram presentes num EP de mais cedo este ano.

Na temática, Anitta é ridiculamente homogêneo que é até compreensível desacreditar dela por causa disso. Há poucos tipos de canções aqui e todas envolvem as complicações dos relacionamentos amorosos modernos na ótica de uma mulher de vinte e poucos anos, que, por sua vez, passa bastante tempo na noite (o que pode e deve lembrar, na temática, do On A Mission de Katy B, de 2011). Há as canções sobre a autodeterminação feminina que também falam do recalque (“Show das Poderosas”), a da conquista que serve de troféu, a que provoca e parte corações só porque pode (“Menina Má” e “Fica Só Olhando”), a mulher que não quer compromisso (“Cachorro Eu Tenho Em Casa”). Os títulos também são autoexplicativos. Tão explicativos que poderiam estar presentes no repertório de uma girl group dos anos noventa. Num contraponto, às vezes ela possui a atitude e postura de uma Janet Jackson em “Nasty”.

Em termos de slut-shaming, há muito o que Taylor Swift e Azealia Banks podem aprender aqui com Anitta: como uma tática de conquista que ela usa na narrativa das canções, o tema central de “Show das Poderosas” é demonstrar por que Anitta precisa ser a protagonista e as outras não. Enfim, Anitta é a antítese do recalque.

Alguns versos provam isto. Eles podem depois, daqui a alguns meses, virar memes se tudo ocorrer como planejado pela equipe da gravadora: “Beijo tu manda pra Xuxa”, ela diz em “Fica Só Olhando”. “Eu tô querendo homem. Cachorro eu tenho em casa” na canção homônima e o revival 90s nunca foi tão real. Em “Proposta”, “Não toque no meu cabelo, você não é escova”. Para o bem ou para o mal, Anitta ressuscita frases de Orkut e as traduz em hinos que algumas pessoas considerariam feministas. De novo: para o bem ou para o mal.

No curso de mais de quarenta minutos, Anitta, o álbum, e Anitta, a aspirante a popstar brasileira, entregam um álbum que não tem nenhuma pretensão de mudar o pop brasileiro. É uma jogada segura baseada em algumas lições de slut-shaming e frases retiradas de um fotolog. Com algumas canções realmente boas no médio para dar algum contexto ao álbum. Pode ser exatamente o álbum de que nós estávamos precisando. Até que alguém se levante e queira mais uma mudança — até alguma revolução, mas isto está fora de cogitação. Até lá, Anitta ganha por ausência de concorrência.



5.4 

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