terça-feira, 2 de julho de 2013

James Holden - The Inheritors (2013)

Gêneros: experimental, tech-house, pastoral, progressive electronic
Similares: Nathan Fake, Jon Hopkins, Four Tet, Fuck Buttons, viagens astrais



James Holden deve ser um nome não tão conhecido para aqueles que não são fãs de música eletrônica; para os que são, ele é motivo de aplausos por ser o chefão do selo Border Community, que se apoia numa sensibilidade techno meio melódica e derivada do trance, moldada pelo próprio produtor desde seus primeiros singles. Num caminho bastante similar a Kompakt e a mais recente Pampa, esse lado melódico e humanizado do techno foi ganhando formas menos convencionais a cada lançamento, algo que pode decepcionar os fãs que preferem que as estruturas se mantenham em campos mais formais, mas que certamente é um sinal da liberdade artística dos produtores. O último disco do Nathan Fake, por exemplo, foi uma peça bastante estranha e ruidosa de house progressivo, mesmo que um ar mais mecânico (a estrutura mais formal, o "techno com cara de techno") estivesse lá presente.

Depois de anos sem nenhum lançamento, o último sendo The Idiots Are Winning de 2006 (disco bastante espirituoso, a começar pelo nome), Holden retorna à atividade com uma obra complexa que se arrisca mais ainda em terrenos alienígenas do que aquelas feitas recentemente por seus colegas de mentalidade similar. The Inheritors certamente não é uma obra dançante, projetada para as pistas dos cabeçudos sensíveis. Pelo contrário, é uma obra onde há um trabalho mental pleno, sem nenhuma dedicação ao corpo - entenda "mental" aqui como um plano de consciência interiorizado, não como extremamente racional/matemático, ainda que exista uma certa complexidade friamente planejada na construção dos sons.

Em entrevistas Holden afirmou que fez o disco pensando no que seria uma trilha sonora perfeita para admirar os horizontes e campos das áreas não tão urbanas do Reino Unido. Entende-se então porque a obra tem esse aspecto tão transcendental, como se realmente quisesse representar a natureza e, em algum nível, tocar em uma espiritualidade ancestral. Todo o aparato visual do disco, feito pelo designer Jack Featherstone, cai como uma luva nesse contexto: imagens que trazem à mente religiões pagãs dos antepassados britânicos e o misticismo de lugares como o Stonehenge.

Para acessar essa consciência elevada, o produtor usa como armas a construção progressiva das estruturas, sons provocativos que se intercalam com as bases e uma atenção exemplar ao detalhe, algo que remete ao estilo do Four Tet mesmo que superficialmente não exista tanta semelhança. "Renata", de longe uma das melhores faixas do ano, e sua explosão de hi-hats é um dos poucos momentos em que o techno pode ser facilmente identificado no álbum, junto ao minimalismo da faixa-título. Maior parte da obra se inspira no progressivo eletrônico (sim, mares de Steve Roach, Tangerine Dream e cia) sem exatamente se prender ao mesmo: enquanto os sintetizadores analógicos são usados para criar bases ambient com ares espirituais de new-age, Holden os confronta com um arsenal de efeitos corrosivos (distorções digitais à lá Tim Hecker e noise, muito noise) aliados a sons orgânicos. O saxofone abstrato no final de "The Caterpillar's Intervention" é o ápice desse "truque" que fundamenta o disco, um momento de puro êxtase.

Usando o belíssimo e tão detalhista quanto Immunity do Jon Hopkins como um ponto referencial, The Inheritors é um disco que tenta atingir o mesmo objetivo (o da elevação espiritual pela catarse sonora) indo por um caminho bastante diferente. Enquanto Hopkins, numa espécie de ode-pastiche ao post-rock e ao minimal techno, entrega de forma direta melodias humanizadas em estruturas repetitivas; Holden usa a corrosão e a complexidade aplicada a referências distintas para comover o ouvinte, criar catarse através de sons não tão fáceis de serem assimilados, mas que criam momentos de êxtase com uma frequência incrível dentro de uma mesma obra. Aqui, cada música vai sendo construida pouco a pouco até chegar num ponto destrutivo, o ponto em que o ruído e o inusitado explodem, provocando a sensação de euforia, de plenitude.

Acaba a obra por ser, com o perdão do clichê, uma experiência religiosa. Uma bastante incomum e que toma rotas tortuosas, com intenções não tão convencionais, assim como os ritos pagãos. Como em qualquer religião, é preciso crença, dedicação e um senso de espiritualidade maior para que a oração ou ritual funcione, mesmo que apenas na mente do religioso. The Inheritors pode demorar algumas audições para ser assimilado (acredite, é muita informação para compreender de primeira), mas uma vez atingido "o nirvana", fica compensada a dedicação para entender esse singular ritual embalado por sintetizadores, estática e explosões orgânicas.

8.7 [RECOMENDADO]

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