quarta-feira, 29 de maio de 2013

Daft Punk - Random Access Memories (2013)

Gêneros: Pop, electro-disco-synth-funk, prog dance, hi-fi, música instagram
Similares: todo o pop da 2ª metade dos 70s, bailes da saudade, manifestos vazios


Estar quase duas semanas atrasado em meu comentário sobre o novo disco do Daft Punk me deixa em posição de vantagem. A verdade é que um disco dessa importância (por mais que uns queiram, a todo custo, negar que ela existe) é capaz de provocar comentários iniciais confusos (como eles foram e ainda são). Vejo de um lado um endeusamento meio cego da banda - que ok, pode se justificar pelo passado, eles fizeram "Da Funk" e Discovery, porra! - e de outro uma horda meio rancorosa de pessoas que desdenham deles por serem uma representação do que é "boa eletrônica" pro mainstream, quando a "boa eletrônica" para essas pessoas está em outro contexto, mais sisudo e elitista. O primeiro caso é burro porque todo endeusamento é burro; o segundo é burro também porque tenta desmerecer uma banda pelo seu contexto, um típico anti-pop numa cruzada tola para negar o que o Daft Punk sempre foi (mesmo em seu primeiro disco) e ainda é: uma banda de música pop escancarada.

Como você já deve ter lido vários textos sobre esse disco, vou evitar o engodo e partir para o foco crítico: Random Access Memories é um manifesto desnecessário, uma pomposa tentativa de dizer algo para o pop com uma execução tão confusa que dificilmente terá sua mensagem compreendida. O duo robótico deixou claro com todas as palavras que, através desse disco, quer bombardear o mainstream com a noção de que a música eletrônica pode ser feita na forma de "composições reais", usando "instrumentos reais" e com "intenções reais". Existe um tanto de elitismo nessa posição, mas o que parece desnecessário (pelo ar vazio do manifesto) e estúpido para alguém como eu (e talvez você), não é se considerarmos o nicho a qual essa crítica se direciona. O Daft Punk quer alfinetar a "cultura do EDM" que eles mesmos ajudaram a criar provendo as bases do electro-house francês a mais de uma década atrás. Estão no direito deles de criarem esse protesto, mesmo que vulgar, por estarem envolvidos no contexto - numa comparação bem distante, é como quando o Get Up Kids pediu desculpas ao mundo por ter desencadeado o "emo" da década passada.

A maneira que eles encontraram para desenvolver essa ideia é, de certo modo, ultrapassada e burra. Peço desculpas, mas "olhar para o passado para fazer a música do futuro no presente" não é uma maneira muito inteligente de contestar esse presente que está, de maneira direta, desconectado do passado referenciado. Diferente do Discovery que é nostálgico para proporcionar prazer através da memória e da catarse pop (e nem precisamos focar no quanto o disco funciona), RAM é forçadamente nostálgico para reforçar uma visão "dadrocker" de mundo que não precisava ser reforçada.

O pior desse molde de composição "passado para achar o futuro" aqui é que ele não funciona plenamente. Temos, claro, fatos inegáveis a nossa frente: o cuidado com o qual o disco foi feito, a qualidade da produção, a técnica musical aplicada, o marketing funcional que rodeia a obra. Fazer, em 2013, um disco que tem o mesmo nível de aperfeiçoamento e qualidade de gravação dos anos 70 é uma missão difícil e que eles foram capazes de cumprir (com um pouquinho de técnica e muito de orçamento, eu sei). Esses fatos, infelizmente, não mudam as intenções engessadas do disco e a aplicação não tão inteligente delas. Não existe futuro aqui. Existe um pastiche pop instagramando uma época exata que eventualmente consegue provocar catarse. Mas futuro? Não, não mesmo.

O sentimento constante que permeia o disco é de que você não precisa do que ele nos entrega. Exceto o electro-espacial de "Doin' It Right", que se destaca no disco principalmente pelo tom dado por Panda Bear e seus vocais em camadas, o resto soa como um pouco de tudo que você já escutou. São como versões mais novas, bem executadas porém sem muita inspiração, de hits do passado.

Esse ar instagram pode ser ignorado quando ele consegue executar canções pop funcionais e que podem abraçar uma motivação bem melhor que o manifesto do disco: a catarse dançável, a diversão grooveada e leve. Poderíamos estar ouvindo Chic ao invés, eu sei, mas não há como negar o potencial de faixas como "Get Lucky" e "Lose Yourself To Dance", nas quais a guitarra funkeada dá o tom e a voz caricata de Pharell cria uma atmosfera inebriante que nos move aos tempos de ouro da disco music de maneira natural. São nesses pontos que o Daft Punk consegue repetir a virtude do Discovery, o que fazem valer a experiência confusa da obra.

Em muitos momentos RAM se soterra com a sua própria intenção de criar um épico, se preocupa tanto em afirmar suas intenções que esquece de por alma nas composições e esquece também que as coisas são mais interessantes quando livres, como nas faixas mais funkeadas e pop. O soft-rock cafona de "Game Of Love" e "Within" não se justifica, o filtro de vozes robóticas por cima não esconde a falta de rumo das composições - o que, felizmente, não acontence em "Instant Crush", um momento em que essa mesma essência consegue funcionar.

O grande vazio do disco se dá, no entanto, quando prestamos atenção nas faixas que mais referenciam os exageros do prog, sejam essas afetações somadas a outras (de outros nichos) ou não. O encerramento "Contact" é o melhor exemplo de como não tentar rebuscar o rock progressivo, não é por acaso que soa como Muse. "Touch", inegavelmente bem trabalhada, não se sustenta por sua pomposidade; tenta esconder a composição anêmica com orquestrações e saxofones em vão. Até a aclamada "Giorgio By Moroder", que me soou incrível nas primeiras audições, começa a se mostrar derivativa com o tempo - é uma faixa de um humor adorável (principalmente pela presença de Moroder) e capaz de criar um clímax intenso, mas ainda assim soa fraca ao referenciar o mestre da disco music, principalmente se colocarmos a composição lado a lado com as composições do homenageado.

A falta de coesão do disco e sua consequente confusão não o invalidam completamente. RAM mira em intenções tão cafonas e sem inspiração quanto algumas composições que carrega, mas consegue ter pontos altos por, em certos momentos, se dar a liberdade de fazer música que represente algo além do manifesto "anti-EDM" através do retrocesso de ideias. 

Não podemos condenar o Daft Punk pela tentativa, no entanto. Talvez a discussão que o disco gere seja importante, talvez observar como o mundo reage a tudo que rodeia RAM seja interessante, talvez a obra sirva para afastar uma geração de produtores ainda mais do ideal torto de "música de qualidade" estabelecido pelo duo. O disco em si, porém, merece ser tratado pelo que é: uma coleção literalmente aleatória de exageros progressivos, trilhas de motel barato e grandiosos momentos de pop retrô dançante. 

Posso, pelo menos, agradecê-los por terem criado hits radiofônicos adoráveis - que deverão figurar entre os melhores de 2013 - os quais eu posso curtir junto com meus pais. Eis algo muito mais difícil que contestar o estado atual do eletrônico mainstream.

6.6

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