terça-feira, 28 de maio de 2013

The Knife - Shaking The Habitual (2013)

Gênero: Industrial, Techno 
Similares: Fever Ray, iamamiwhoami, todo mundo que passou os anos 2000 tentando recriar "Heartbeats"


No início do ano, fiquei obcecado com Margaret Atwood. Mais especificamente, fiquei obcecado por um livro da escritora canadense, A Noiva Ladra. O livro, assim como vários de seus outros romances de sua vasta coleção, trata, principalmente, da plausibilidade de colocar num mesmo plano a realidade com a fantasia. Personagens que pertenciam, antes, a um enquadramento psicológico antiquado e “infantil,” (desculpe, C.S. Lewis) ganham um aspecto mais condizente com as leituras atuais de “fantasia.” Atwood faz o que eu considerava, até então, impossível, digno de tentativas frustradas na maior parte do tempo: a coexistência do real e imaginário sem perder o aspecto crível. Na verdade,tudo é crível e absoluto nos livros de Atwood porque ela própria (e ela faz questão de deixar isto bem claro em A Noiva Ladra) acredita no que diz. Tudo faz sentido, mesmo que a narrativa desabe em nossas cabeças, por causa deste contrato de fidelidade que fazemos com a autora. É preciso acreditar.

Escutar o disco do The Knife me trouxe algumas lembranças acerca dos livros de Margaret Atwood, não só porque há duas faixas que citam uma obra dela, Oryx and Crake (no disco, há duas canções mínimas em duração, mas que contribuíram para o início deste texto.) Há “Oryx” e “Crake,” que não deveriam, mas fazem sentido justamente por causa desta intertextualidade no livro. Outra relação que me fez lembrar de Atwood é a retórica utilizada pelo duo na maior parte do tempo em Shaking The Habitual: seja colocando sua opinião contra o neoliberalismo ou simplesmente estabelecendo o caos sonoro para falar de papéis de gênero que são engessados na sociedade (“Full Of Fire,” a melhor do álbum), há uma troca que o The Knife estabelece muito bem: é preciso acreditar no plano ideológico que eles criam, que é a política que eles teorizam no álbum, para depois lançar mão do que tem sido mais festejado nele: suas canções extrapoladas de vinte minutos de duração ou o techno industrial. Sem toda esta bagagem sonora, o The Knife correria o risco de criar um disco quase tão difícil quanto a ópera colaborativa Tomorrow, In a Year, de 2010, mas sem muito o que dizer, o que os aproximaria, perigosamente, de muitos sound designers.

A citação e a afronta de Karin Dreijer Andersson ao neoliberalismo não poderia vir numa hora menos brusca para a sociedade. O The Knife está condizente com o status quo (sim, eu citei isto) do mundo, o que faz com que eu pense se Karin e o irmão possivelmente leram Communist Horizon ou Blog Theory, de Jodi Dean, para fundamentar todo o disco.

Mesmo que Shaking seja um disco político, ele ainda trata sua temática de forma antiguada: para provar um ponto ou uma ideia, o álbum demora — seis de suas treze faixas têm mais de oito minutos de duração. Eles querem estender a discussão a tudo. Tudo.

“Full Of Fire,” melhor canção do disco, só no final demonstra a que veio, assim como quase tudo em Shaking The Habitual. “Let’s talk about gender.” Karin diz. “Vamos falar de você e mim.”

O “gênero” aqui, o papel a que os irmãos se referem, pode ser entendido como algo muito mais amplo e discutível. Isto acontece porque a arma mais poderosa que o The Knife encontrou no álbum novo foi o desconforto sonoro, que, depois de uma leitura cuidadosa das intenções do duo, reflete-se nos desconfortos políticos - a própria noção de gênero que a sociedade guarda para si, o porquê das conexões de hoje serem tão atribuladas (o techno de “Networking” deixa isto claro).

Claro, se você quiser, Shaking The Habitual funciona muito bem também como uma peça moderna, um álbum sozinho e sem contexto bem definido. Só a linguagem singular que Karin utiliza para descrever o cotidiano já é digna de nota. Mas, quando surge “Old Dreams Waiting to Be Realized,” a única possibilidadede interpretação, no caso, é sugerir algo mais,algo que só ganha voz quando nós conseguimos entender o que Karin quer dizer quando ela pensa “que as pessoas precisam umas das outras.” E, assim como o exercício nem tão fácil de escutar Shaking The Habitual, isto leva tempo. E nós esperamos.


8.6 [RECOMENDADO]

Nenhum comentário:

Postar um comentário