sábado, 3 de agosto de 2013

Annie - The A&R [EP] (2013)

Gênero: Pop, synthpop
Similares: Little Boots, Dragonette, qualquer grupo cool que participou do revival do pop bubblegum na década passada


Um dos meus passatempos favoritos, além de criticar a forma com que as pessoas interagem na internet quando vão falar de cultura (e criticar as pessoas que mencionam uma tal de “cultura da web” também), é evitar clickbaits e outros produtos nocivos à integridade da minha personalidade. Muito disto se resume em visitar o “I Love Music”, possivelmente o porão da internet mais fã de música pop que existe na internet. E o único lugar, ao lado do Tumblr, em que é possível discutir algo sem sofrer qualquer ameaça hostil digna de nota (olá, 4chan). Mas, claro, ainda é possível trocar alguns insultos por causa do Hot 100.

Digo isto porque visitar o tópico de Annie no fórum é quase um exercício antropólogico, muito parecido com a sensação de ler o que Ellen Willis tem a dizer sobre o Grand Funk por exemplo. “I'm anticipating this album quite ridiculously right now”, diz uma mensagem datada de trinta de julho de 2004. A primeira escrita no tópico. “Pop so perfect it is only comprimised by its intensely saccharine sweetness”, diz outra, num ano em que ninguém queria saber muito sobre a divisão entre o que acham que é indie ou o mainstream. Por algum tempo, Annie funcionou como uma ponte entre estes dois mundos, assim como o I Love Music. E, assim, eu conseguia ver em tempo real uma espécie de obra-prima se formando num fórum que agora é antiquado e louco por um nicho em questão.

Anniemal foi lançado há quase dez anos, em 2004, mas ainda continua como um dos discos pop mais vitais do século até agora. Ele foi capaz de sintetizar o revival dos anos oitenta que tomou conta do início da década passada, enquanto definiu o que é “pop” (pelo menos para aquela época, pelo que parece): amor, esperança, autoconfiança. O mundo todo numa canção de três minutos.

O álbum de 2004 parecia muito bom para ser verdade, não só porque ele vivia na utopia popista do ínicios dos aughts mas também porque ele conseguia ser melancólico mesmo assim. Em 2009, Don’t Stop parecia uma boa ideia de início, uma decisão bem tomada, mas faltava no álbum o que fazia de Anniemal tão bom: o espírito DIY e o desespero que é fazer um álbum sobre o começo da vida adulta.

Por isto, eu não esperava algo de Annie tão cedo. Mas ela voltou: foi com “Tube Stops And Lonely Hearts”, do final de abril, que ela mudou de direção completamente quando eu pensava em uma possível volta dela nos mesmos moldes de “Chewing Gun” por exemplo. Mas o que se tem aqui é um vídeo noventista e subversivo com uma canção que lembra tanto a rave culture quanto o house do fim da década de oitenta. São duas vias que ela consegue dominar bem numa mesma canção.

Mesmo assim, o melhor que Annie nos reserva em 2013 pode estar no novo EP, A&R. “Tube Stops And Lonely Hearts” não está aqui, mas talvez seja para o melhor: elA não condiz com a sonoridade e temática a que ela voltou,  Anniemal e até mais cedo, como nas primeiras versões de “The Greatest Hit”.

A&R é o melhor que nós escutamos de Annie em quase uma década quando, ironicamente, ela usa os meus truques de antes: ainda há as referências meta, o lirismo essencialmente pop. Assim como Robyn, ela entende que pelo menos metade de qualquer canção no rádio  é composta por algo simples até: catarse.

Enquanto tudo o que ela fez antes se baseia na passagem da juventude para a vida adulta (mais notoriamente, ela fez isto em “Heartbeat”), por questões óbvias, Annie mudou de foco. Não no tema, mas na forma com que ela aborda tudo. Ela ainda quer saber de amores antigos e corações partidos (o coração partido na falsamente twee, já mencionada, “Tube Stops”, prova isto), mas a Annie de “Back Together”, aparentemente, enquanto ela procura o amor antigo, ela está mais interessada em desbravar os limites da própria canção. Adicione aí a quantidade certa de nostalgia e você tem o segredo do que Annie quer fazer (e consegue) em A&R: uma carta de amor ao que ela realizou em 2004 com a maturidade que só agora ela tem.

A&R tem menos de vinte minutos, o que parece pouco tempo para alguém como Annie para colocar tudo em ordem, mas é impressionante quanto ela consegue cobrir aqui. Depois da abertura de “Back Together”, “Hold On” poderia ser um deep cut de outros momentos de Annie se não fosse pela melancolia (algo que ela administra bem agora nesta fase da carreira).

“Ralph Macchio” só pode ser escutada como uma homenagem ao próprio formato que a canção adota. Até porque não há como levar a sério o lirismo sem que haja algum conflito. Por isso, é o mais próximo que alguma canção do EP chega de um filler. Mesmo assim, é também uma ponte para o melhor momento de A&R, “Invisible”.

“Invisible” é até mais surpreendente em termos de encontrar novas direções para Annie que “Tube Stops”. É quase um símbolo do revival do house dos anos noventa, no mesmo nível de “Imagine It Was Us” de Jessie Ware e B. Traits com “Fever”.

O EP termina com “Mixed Emotions”, o que descreve o oposto do que Annie consegue fazer aqui. E em menos de vinte minutos, ela recupera um entusiasmo que tinha se perdido depois de quase dez anos, em parte porque ela continua com os mesmos movimentos de sempre, e em parte porque ela entender a catarse de uma canção. Seja em um vídeo meta sobre as referências que ela utiliza, seja trocando os anos oitenta pelo house dos anos noventa só porque ela amadureceu desde Anniemal (olá, os fãs da tal “integridade artística” e “autenticidade”), ela continua sendo uma figura interessante porque nos faz lembrar que o pop pode vir dos lugares mais estranhos: no caso de Annie, foi de uma noite e alguns drinks que parecem durar até hoje.




8.6 [RECOMENDADO] 

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